terça-feira, 18 de agosto de 2020

Relatos da Periferia: Mulheres Pretas na Pandemia

 

Conceição, 37 anos, de Salvador, mas residindo em Lauro de Freitas - Ba

 

“Isso tudo está mexendo com minha saúde mental aponto de não conseguir produzir. Não disponho de ânimo e nem humor para assistir ou ler mensagens no Whatsapp. Estou perdendo várias chances de inserção em grupos e movimentos dos quais tinha feito seleção. Tenho feito terapia (acompanhamento antes mesmo da pandemia) mas tem 27 dias que não consigo falar com a profissional para marcar a nossa conversa. (Eu bloqueiei)

E isso tem acontecido por diversos fatores. Não consigo aceitar a morte de tantos e sair dizendo que está tudo ou que tudo irá melhorar (melhorar com lembrança ou sentindo de falta?). O danoso é saber que os administradores são uns canalhas sem competência e humanidade. Não sei se irei conseguir da continuidade a dissertação e me pergunto o que ela será diante de todas estas notícias?

Não sei como acordarei amanhã, porque o futuro é tão incerto.

O funcionamento do meu organismo está desajustado. Tem dias que o suor toma meu corpo em dias de chuva com temperatura de 23 (foi caso de ontem aqui na cidade de Lauro de Freitas-Ba). Tem dias que sinto frio como se estivesse no Alasca.

Tem dias que morro de vontade de ligar para minhas amigas entre 11h a 6h da manhã. Mas sei que elas estão cuidando e ajeitando a vida delas. Foi o que aconteceu hoje às 5h manhã liguei e depois enchi de mensagens para minha irmã (que por sinal está sendo meu aparador.) "Sabe aqueles dias que ser fica mendigando uma boa conversa.

É hoje!”

Então esta pandemia está me matando...não vou por conta asma e sim por conta desta prisão sem direito a julgamento.”




Acompanhe as nossas redes e veja como as mulheres pretas de várias regiões do Brasil estão lidando com as mazelas potencializadas pela pandemia mundial.


#coletivoadelinas

#pandemiadoracismo

#mulherpretaemluta

#falaadelina

#mandeseurelato




Mulheres Pretas na Pandemia

    O movimento Relatos da Periferia: Mulheres Pretas na Pandemia é resultado dos diálogos das mulheres que compõem o Coletivo Adelinas, a partir da necessidade de trocar informações com outras mulheres pretas, de diversas periferias do Brasil.

    Buscamos esse caminho para nos fortalecer na luta contra o racismo cotidiano, que somado à pandemia mundial proporcionada pelo Covid 19, super potencializa nossas opressões. Nesse caminho descobrimos que as inquietações que afligem mulheres pretas nas periferias de Salvador também são questões levantadas por outras tantas em São Paulo e Brasília. Notamos que falar dessas dessas demandas é dolorido, mas importante para percebermos que não somos apenas nós que estamos envolvidas com estes problemas, que eles são sistêmicos e que de alguma forma precisamos nos unir para o combate.

    Falar com amigas e familiares proporcionou nelas reflexões, percepções que antes o corpo somatizava, mas que não tinha nome e nem mesmo causa política. Nesse sentido, percebemos que outras mulheres pretas precisavam também ter contato com esses relatos para que pudessem, de alguma forma, trazer a tona aquelas questões que não são resultado de suas emoções e das suas relações interpessoais, mas fruto de desigualdades de gênero e raça, potencializadas pela pandemia, as quais estamos todas submetidas, mas que muitas vezes não sabemos nomear, mas nos afeta.

    Iniciamos hoje movimento Relatos da Periferia: Mulheres Pretas na Pandemia, com postagens nas nossas redes sociais, contendo relatos de diversas mulheres pretas de vários lugares do Brasil, para que outras mulheres possam se encontrar nesses relatos e comecem a se perceber como agente de transformação social, para que possam de alguma forma engrossar esse grito de resistência contra as violações de direitos humanos a que estamos submetidas todos os dias, desde que nascemos.

    O primeiro relato é o da Conceição, mulher preta, oriunda de Salvador, mas residente numa periferia do município de Lauro de Freitas (região metropolitana de Salvador). Ela narra com riqueza de detalhes como esse contexto de pandemia a afeta.


Acompanhe as nossas redes e veja como as mulheres pretas de várias regiões do Brasil estão lidando com as mazelas potencializadas pela pandemia mundial.


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segunda-feira, 17 de agosto de 2020

Manifesto: A pandemia do racismo estrutural é tão letal quanto esta provocada pelo Covid 19

 

            Nós, integrantes do Coletivo Autônomo de Mulheres Pretas -  ADELINAS, vimos a público denunciar o genocídio antinegro que vitimiza cada vez mais mulheres negras neste contexto de pandemia do novo coronavírus. Da mesma forma repudiamos os ataques do atual Presidente da república Jair Bolsonaro contra grupos vulneráveis, sobretudo negros e indígenas em suas declarações públicas sobre a pandemia, que, apesar de não articular raça, classe e gênero, geo-localiza a população historicamente discriminada e alijada dos seus direitos de cidadania plena, como a população matável e aprofunda ainda mais as desigualdades sociais e o fosso abismal entre negros e brancos na sociedade.

Desde o início da pandemia (Março/20) o presidente se mostrou declaradamente contrário às recomendações da OMS (Organização Mundial da Saúde) e relativizou a pandemia como uma “gripezinha”, “histeria”, e ao ser confrontado sobre o exponencial crescimento das mortes ele debochou das diversas famílias que perderam seus entes queridos, dizendo: “Sou Messias, não sou coveiro...E, daí”?.

Apesar da dificuldade de mensurar o alcance da pandemia no Brasil, atualmente o país perfaz o total de mais de 100 mil pessoas mortas e pelo menos mais de 3 milhões de infectados. Estudo da Unifesp e USP revela que em São Paulo, por exemplo, negros são 2,5% mais infectados por coronavírus que brancos. Isso se estende pelo pais, dada a ampliação do quadro de vulnerabilidades sociais em que negros e indígenas estão submetidos historicamente.

Dados do IBGE (2019) revelam que o recorte por raça/cor indica que é significativamente maior a participação da população negra em ocupações informais (47,3%) quando comparada com os trabalhadores brancos (34,6%). Estes mesmos dados apontam que a população negra representa parcela significativa de comunidades tradicionais, quilombolas, ribeirinhas, de pescadores artesanais, dos que vivem em situação de rua, das pessoas privadas de liberdade, das que vivem na extrema pobreza e em domicílios que não respondem aos padrões de habitabilidade, que não contam com abastecimento de água e/ou esgotamento sanitário como nas favelas, daqueles que apresentam menores rendimentos ou sobrevivem da informalidade; dos que dependem do lixo de natureza reciclável; das empregadas domésticas; das cuidadoras de idosos, dos idosos negros, dos que estão em situação de insegurança alimentar; que têm dificuldades de acesso à serviços e equipamentos de saúde, assistência social e educação.

        Somos vítimas históricas da pandemia do racismo estrutural, como já denunciado pelo MNU, Abdias do Nascimento e Lélia Gonzalez. O recrudescimento da barbárie, capitaneada pelas políticas de segurança pública, aponta que as dinâmicas de punição no Brasil, com foco na privação da liberdade de mais de 812 mil pessoas, aliada ao déficit de vagas que, atualmente, chega ao número de 312.125 nas unidades carcerárias e aprofunda ainda mais a crise generalizada no sistema prisional com o crescimento exponencial de mortes e a disseminação da pandemia de COVID-19. O foco na privação da liberdade já expõe a população prisional como grupo de risco: superlotação que torna propicio as péssimas condições sanitárias, a proliferação de doenças como tuberculose, pneumonia e HIV tudo isso é terreno propício à propagação e disseminação do coronavírus. Por exemplo, hoje uma pessoa presa tem 34 vezes mais chances de contrair tuberculose do que alguém fora das grades.

No meio de todas as inseguranças provocadas por esse contexto de pandemia, temos de um lado, a crueldade do presidente com suas declarações públicas contrária ao isolamento social, e, de outro, o manejo do braço armado do Estado-policial, causando ainda mais terror contra a população alvo de violências sistêmicas. Agora, além de ser exposta ao vírus letal pelo chefe maior da nação, ela também morre pelas mãos da polícia. A violência policial não apenas aumentou na pandemia, mas ganhou novas proporcionalidades de terror nas abordagens ilegais, ameaças, uso desnecessário da força, invasões de domicílio, tortura, execuções extrajudiciais e desfazimento da cena do crime entre tantas outras violações de direitos humanos. Solidarizamos com as mães que choram as mortes de seus entes familiares, vítimas da pandemia do racismo: a mãe do jovem Rogério, de João Paulo, João Victor, Guilherme e tantas Mães de Maio, de Osasco e Barueri, Mães em luto da zona leste, Mães de Manguinho, Mães da Baixada Fluminense/RJ, Mães contra as opressões das prisões, eufemisticamente chamadas de “Socioeducativo”; com as mulheres negras e indígenas  desterradas, expulsas dos seus territórios, desde a América Latina a Palestina; com as mulheres vítimas do lesbocídio, do transcídio e dos assassinatos por forças paraestatais na chamada “guerra” contra as drogas que já causou uma crise humanitária no país.

Nós, ADELINAS, dos diversos territórios do país, falamos em diferentes vozes, em alto e bom som que somos as principais vítimas de doenças endêmicas e do sucateamento do sistema de saúde pública, da violência obstétrica, da cultura do estupro, das mortes prematuras por doenças curáveis e preveníveis e da violência doméstica. Assim, denunciamos a necropolítica perpetrada contra nós, nos quatro cantos do país. Desde as experiências de Sônia, com 60 anos, diarista e residente no bairro de Cosme de Farias, em Salvador/BA, que é obrigada a trabalhar mesmo com os sintomas da COVID-19, às afinidades de opressões nas experiências de Glória e Terezinha, ambas, moradoras de Brasilândia/SP, a dona Angélica e Maria, moradoras de Planaltina, em Brasília. Estas mulheres negras, em diferentes territórios criminalizados, vivenciam estas experiências, aparentemente pessoais, mas com sinistras afinidades em seus corpos-coletivos, numa simbiose mortal entre pobreza, raça, classe e gênero, sob vários eixos de subordinação e vulnerabilidade. A expansão da pandemia no mundo e, especialmente no Brasil, redimensiona a sofisticação destas múltiplas opressões. Por isso, denunciamos o genocídio antinegro que é histórico e que está explicitamente demonstrável com a pandemia do novo coronavírus na sociedade. 


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