domingo, 4 de agosto de 2019

NOTA DE REPÚDIO


Nós, do Coletivo Autônomo de Mulheres Pretas – ADELINAS –, da grande São Paulo, formado em julho de 2015 por mulheres pretas e por elas representado por meio de seus fenótipos negros: tonalidades de pele, texturas de cabelos, diferentes corpos, experiências comuns de resistências e opressões históricas, somadas às diversidades, às subjetividades e às  especificidades do que é ser Mulher Negra no sistema capitalista, vimos a público REPUDIAR as declarações da filósofa Djamila Ribeiro nos vídeos publicados em seu stories, nas redes sociais, no dia 25 de maio de 2019,  em flagrante ultraje contra a ativista de direitos humanos, Dina Alves, denominando-a de “dinossauro”, de “coisa”, de “pessoa problemática”. 

As narrativas expostas nos vídeos se orientam por um discurso que associa a mulher negra à figura de um animal – no caso, um dinossauro – , relacionado a elementos patologizantes e sustentado na ideia de que a mulher não apresenta condições para ser considerada humana, mas a uma coisa ou à histórica criminalização da mulher como “histérica e problemática”. Os vídeos propagados e a maledicente comparação a um animal alastram representações negativas associadas ao corpo negro. Os movimentos feministas, especialmente o movimento de mulheres negras, dedicou muita vida e sangue na luta contra a animalização e objetificação das mulheres negras. Afinal, essa é uma incansável luta que começou com nossas ancestrais. Além disso, o movimento de mulheres negras luta para ressignificar os estereótipos a partir da autodefinição e valorização, positivando, inclusive, o adjetivo “negras”, que passou a identificar as mulheres negras a um sujeito político e com uma agenda própria.

  muito as mulheres negras são as principais vítimas do sistema capitalista e do Estado. Vivemos num contexto em que somos intensamente golpeadas, afrontadas, ultrajadas pelo racismo, pelo sexismo, pelo patriarcado. Em sociedades racializadas e hierarquizadas por classe, raça, gênero e sexualidade não surpreende assistirmos aos discursos com olhar coisificado sobre nossos corpos, o que contribui para a manutenção de relações hegemônicas e da naturalização das violências: doméstica, obstétrica, da cultura do estupro, das alarmantes taxas de feminicídio (acentuadas pela vitória de Jair Bolsonaro), da criminalização da maternidade negra, das dinâmicas de punição, estigmatização, assassinatos provocados por milícias e agentes de segurança pública e pela existência de um padrão generalizado de vulnerabilidades no acesso a saúde, habitação, mercado de trabalho, terra,  bens materiais e culturais.

A construção de estereótipos relacionados a animais faz parte de práticas históricas de representações de identidades para simplificar, anular e desumanizar nossa condição de seres humanos. A desumanização abre portas à animalização. Um processo que, sem dúvidas, foi (e é) um instrumento de opressão e dominação de raça visando a manutenção da ordem e dos privilégios das classes dominantes que se perpetuam no poder até hoje. O tráfico transatlântico de escravos tinha como pressuposto transformar negros e negras em coisas, objetos, seres sem alma, animais. Não é de hoje que se comprova os malefícios dessas construções de estereótipos racistas ao longo da nossa história e na formação da nossa identidade e subjetividades. Exemplos não nos faltam: Bertoleza, personagem de Aloizio de Azevedo, comparada a uma anta; os corriqueiros termos pejorativos de “macacas”, a criminalização da maternidade negra com o ditado popular “negra é como coelho: só dá cria”.

Acreditamos no projeto político que une a luta antirracista/anticapitalista. Sabemos que ativistas autônomas e independentes são perseguidas por suas pautas radicais na construção de uma sociedade questionadora de projetos políticos neoliberais e capitalistas. Nossa pauta tem sido a emancipação das mulheres negras a partir delas mesmas. Somos plurais, assim como nossas vivências, dores e sorrisos. Nossa militância é periférica, espaço onde a bala chega mais rápido e aumenta as estatísticas de violências, opressões, desigualdades. Entendemos que o projeto político do feminismo negro se desenha nas mais diversas formas. Logo, as discordâncias políticas constituem o oxigênio do diálogo e do bem viver.

É importante ressaltar que o Coletivo Adelinas nasceu dessas pautas. E é por isso que todas nós nos sentimos atingidas pela disseminação de ódio e de estereótipos criminalizadores e criminalizantes perpetrados contra uma de nossas membras cofundadoras. Reproduzir estereótipos contra mulheres negras é a explícita manifestação de reprodução do racismo, do sexismo, do genocídio contra todas nós que lutamos incansável e tenazmente pelo fim desse ciclo de violência de gênero, raça, sexualidade, classe, território, espacialidade. É dessa forma que declaramos publicamente apoio incondicional à nossa irmã Dina Alves: mulher, preta, advogada, nordestina, retirante que luta contra o terrorismo do Estado e que, desde 2018, tem recebido ameaças de policiais em decorrência de sua luta e exposição na defesa intransigente dos Direitos Humanos das mulheres negras.



#ForaBolsonaro

#ForaMoro

#NãoSomosDinossauros

#AdelinaPresente

#MariellePresente

#SomosmulheresNegrasMerecemosRespeito



Coletivo Adelinas,

Julho de 2019

Um comentário:

  1. Que juntas possamos unir força para destruir nossos grandes inimigos, que no caso não somos nós, mulheres negras de diferentes traços e etnias. Toda força, asé e amos a Dina Alves

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